PERDER O TINO
Julgo que ainda não estou doido, mas tenho a certeza de que já faltou mais. A juntar ao isolamento, vieram uns dias cinzentos, cheios de tristeza, de ar frio (por muito que os termómetros marquem dezoito), de chuva, de desolação, de desgosto.
Vou fazendo uns cozinhados malucos, perco o encanto das descobertas dos primeiros dias. O blog anda de rastos, há só um tema, o medo do covide, o palavreado mais ou menos contraditório, só sabemos que isto vai continuar e que começa a estar em risco a saúde mental dos submetidos.
A juntar a esta porcaria de vida, veio o senhor de Belém acrescentar um dos seus discursos a excitar a Pátria, que isto de portugueses tem que se lhe diga nas doutas palavras de tão alto magistrado (o “supremo”, diz-se), tão alto professor, tão alto intelectual, tão alto nos afectos, tão querido das massas em desânimo. O problema é que o senhor fala muito, muitas vezes, vezes demais. Deveríamos recomendar ao supremo que faça como Sua Majestade Britânica e não se meta em assuntos de que nada sabe, ainda que excepcionalmente.
Desta vez, resolveu pôr-me a cabeça em água. Se excitou alguma coisa, foi o espanto e a descrença. Disse-nos, se bem entendi ou se se explicou mal, que dentro em breve teremos vinte mil covidados ou, se tudo correr bem, uns trinta mil. Sim, meus senhores, se os vinte mil são bom sinal, trinta ainda é melhor. Donde se conclui que o melhor dos mundos será o milhão cientificamente previsto pela senhora da saúde (não confundor com a Senhora da Saúde) aqui há coisa de um mês, como anunciou o “Expresso” para animar a malta. Também pode ser outro número qualquer, parece que tanto faz.
Senhor de Belém, poupe-nos, poupe a sua alta verve, não nos ajude a perder o tino.
6.4.20