PILATOS CONSTITUCIONAL
Nunca será demais insistir que os chumbos do TC tiveram tanto a ver com a Constituição como com os Upanichades.
Nem um artigo daquela foi usado na fuzilaria. Nem um. Só “princípios”, uns explícitos, outros implícitos. Ora “princípios” são matéria de interpretação subjectiva, nada tendo a ver com o articulado.
Quem acusa o governo de legislar contra a lei e a Constituição deveria dizer que o governo legisla à revelia da interpretação meramente ideológica e política que o TC faz de princípios constitucionais, à falta de qualquer disposição positiva que pudesse fundamentar os seus acórdãos. O uso de tal “método” é, objectivamente, um abuso de poder totalmente ilegítimo que não deveria oferecer dúvidas fosse a quem fosse que olhasse para o feito com um mínimo de independência e de consciência moral. Estes chumbos, como muitos dos demais, equivalem, por exemplo, a condenar um agricultor a dez anos prisão por ter semeado nabos onde o tribunal “acha” que devia pôr alfaces.
Deste critério só podia resultar o que resultou: um acórdão canhestro, confuso, sem normatividade que se destrince. Ao ponto de der lançada “jurisprudência” sobre a forma, que é da competência exclusiva do Parlamento, de colmatar os buracos orçamentais, coisa que o TC tem o desplante, o abuso, a ignorância do seu próprio estatuto, de determinar, ou aconselhar, sejam feitos via aumento de impostos. Ou seja, de forma a não vir a tocar na fímbria dos privilégios, v.g. dos ilustríssimos juízes, da dona Manuela e do PR!
Há pior, se é possível. O TC foi Instado para esclarecer se os vencimentos, constitucionais até Maio e inconstitucionais a seguir – querem mais confusão? – devem, por exemplo no caso dos subsídios de férias já pagos, ser sujeitos a um novo conceito “jurídico”: o da inconstitucionalidade retroactiva. Daí, o TC lava as mãos com Pilatos. Com a mais repenicada sobranceria, com a mais profunda falta de respeito por quem a ele tem, pelo menos formalmente, direito, escusa-se a esclarecer seja o que for.
Querem mais abuso de poder? Talvez, na Venezuela ou na Coreia do Norte haja disto. Por cá, não sabíamos que se verificava o velho aforismo, desta vez não em matéria financeira mas em matéria moral: “o poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”.
É o caso.
20.6.14
António Borges de Carvalho