POBRE COSTA
O IRRITADO vem dar conta das suas preocupações sobre os acontecimentos que vêm atingido o infeliz Costa.
Cada cavadela cada minhoca. Não têm conta, as minhocas. Os portugueses, uns maldizentes, não calam aleivosias da pior natureza e são peritos em tirar minhocas do esconderijo. O pobre Costa não tem mãos a medir. Bem diz que isto está tudo nos conformes, que não há problemas na Nação que ele conduz tanta doçura e carinho. Não lhe chega o tempo para demitir ministros e secretários, quer pô-los a dizer coisas boas, bem coordenadas, bem vigiadas por ele. Depois, há o terrivel problema da garagem, local onde vivia tão feliz e as chuvas inundaram. E o Moedas que não lhe telefonou a dar os pêsames, a dizer que a culpa era do clima, do aquecimento global – coisa tão má que até há americanos a morrer de frio só para chatear as autoridades.
A dona não sei quantas, muito conhecida lá em casa, mete quinhentos mil no colchão, diz que a demitiram, mas parece que se demitiu para ir sacrificar-se no governo, é tudo mentira e tudo verdade, ninguém sabe e, convenhamos, ninguém tem nada a ver com verdades e mentiras. E Costa sofre. Ele que, com tanta generosidade, tinha dado, no governo, abrigo a uma pobre desempregada, em vez de elogiado é atacado.
Já não bastava o grande amigo que tinha dado uns míseros trezentos mil a outro amigo, tudo amizades puras e desinteressadas como acontecia antigamente em Paris com o mais amigo de todos .
E a TAP? A TAP que, sob a sábia orientação do mui sagaz Pedro N. Santos, atravessa gloriosos tempos, nacionalizada, nossa, merecedora de tantos milhões, e ninguém a elogia! O malandro do Passos privatizou a coisa e tu, patriota, nacionalizaste-a, deste cinquenta milhões ao americano, puseste lá o PNS mais uns milhares de milhões para salvar a coisa, e agora dizem mal porque andas à procura de quem caia em comprá-la, um gajo qualquer, talvez o emir do Catar, e os cidadãos teus protegidos dizem mal, não acreditam na genialidade do PNS, não veem que está tudo a correr pelo melhor, caminhos de ferro aos pontapés, pontes, estradas... Que horror, que azar, que injustiça!
E o Pinho, e a Isabel dos Santos, gente tão amada pelos teus governos, agora tão maltratados... ai Costa, tanta infelicidade!
Eu sei que, num momento em que a sanha persecutória te acabrunhava, deste o teu brado de indignação numa revista qualquer. Irritaste-te, teceste judiciosas, entusiásticas e ferozes críticas aos teus algozes, quase insultos, disseste de tua justa justiça. Agora chamam-te aprendiz de ditador, dizem que te comparas ao Rei Louis, ou ao Marquês de Pombal, que queres ser o dono de nós todos.
No fundo, penso eu - desculpa voltar à carga - a gota de água que fez entornar-se-te o copo da indignação foi a falta do telefonema do Moedas por causa da garagem a que chamaste casa, isto sem saber que o teu carro estava sêco como uma folha no Outono.
A maledicência não pára. O país dos brandos costumes acabou, como sabes, às mãos do Passos Coelho. É por isso que és tão maltratado, é por isso que já não aceitam que a culpa dos teus males seja dele. Tu, que deste nova face à austeridade de modo a que não notassem ou percebessem que há austeridade boa e austeridade má, tu que tanto fizeste para denunciar a política de redução do défice que o teu amigo Sócrates nos deixou, agora és acusado de fazer o mesmo! Ninguém quer perceber a diferença. Burros! Tu, que acusavas o Passos de exportar portugueses, agora exportas mais do que ele, e ninguém quer perceber que as tuas exportações são mais qualificadas que as dele.
Não sei se ainda terás algum adepto que, cegamente ou de olhos abertos, creia em ti. É certo que para isso podes contar com o sempre fiel Presidente. Não é pouco, mas talvez não chegue. Põe-te a pau.
27.12.22