SILVA PAIS RESSUSCITADO
No tempo da ditadura ilegalizava-se o que chateasse o poder. Os partidos eram proibidos, a maçonaria e outras pessegadas do género também, os soviéticos, chineses e quejandos eram presos, os reviralhistas processados, os jornais censurados.
Os tempos mudaram, como é sabido. Hoje, é tudo autorizado, o bom, o mau, o assim-assim – dependendo de quem julga -, não há censura nem presos políticos.
Lembro-me de, uma vez (não sei se já contei esta história) ter sido convidado para uma conversa com o embaixador da Alemanha comunista, dita de Leste. Num apartamento, tão miserável como de péssimo gosto, num cadeirão insuportável, ouvi o embaixador dizer de sua justiça. Na RDA havia partidos políticos autorizados, a oposição era tolerada, os jornais eram “livres”, e outras patacoadas do estilo. Eu sabia que era tudo mentira, mas não disse nada, agradeci o “esclarecimento” e fui-me embora. Apesar de tudo, fiquei com a sensação de que, pelo menos teoricamente, o regime lá do dítio era capaz de ser, no caso dos partidos, mais “democrático” que o da II República.
Muitos anos são passados. Hoje tudo é livre. Aos poucos, de forma diferente, mais cínica, mais suave, sente-se que somos livres mas. Mas degradação da democracia galopa, a “informação” é o que é - não censura, “selecciona”, não ser de esquerda é mal visto, insultado, apodado de criminoso, fascista, racista, portador de ideias perigosas, como ser-se liberal, ou pior, neo-liberal, e coisas do género. A imprensa em geral é seguidista do governo, há opiniões sem assento nas televisões, há agentes do totaliatrismo no Conselho de Estado, o único critério para as nomeações públicas é o da fidelidade canina ao governo. Em tempos melhores, houve quem pusesse a TV pública fora da alçada dos governos, quem criasse uma comissão independente para as nomeações públicas, a CRESAP. De há anos a esta parte, tudo muda, todos os dias, a CRESAP foi assassinada, a TV é o que se sabe, bons são os primos, os cunhados, as mulheres, os maridos, os filiados, os simpatizantes “pro-activos”, os bufos, uma maralha bem escolhida segundo os critérios de “competência” do governo.
Um bolo cheio de creme para uns e de favas para os outros. Temos agora a indispensável cereja a coroar tal bolo. A dona Gomes, uma cereja com caroço de PIDE. Recorreu a prestimosa senhora à PGR, a fim de ilegalizar o “Chega!”. Um tal Ventura, tão importante como ela, faz-lhe sombra. Ilegalize-se! Proíba-se! Encarcere-se! Denuncie-se! Os 500.000 que votaram no fulano não são cidadãos como os outros, são díscolos que se atrevem a contestar os “valores” da esquerda, como se houvesse disso para alé da sede de poder. Salazar, ao pé desta criatura, era uma criança, os tempos eram outros mas a intenção a mesma: acabar com eles, os outros, os que não jogam de acordo com a cartilha. 500.000 fascistas, xenófobos, homofóbicos, racistas, nazis, criminosos políticos, tipos que contestam o socialismo constitucional! Acabe-se com eles, não são portugueses, são traidores!
O major Silva Pais, se isto visse, considerar-se-ia ressuscitado na pessoa dos seus parceiros polícias políticos, da Gomes, da Matias, do Ramos, do bronco matacão P.N. Santos e de tantos outros “democratas” da mais fina cepa. Tão fina como a do Silva Pais.
Pior que isto tudo é não se ver ninguém a chamar à Gomes os nomes que merece.
5.2.21