SINAIS DO TEMPO
Imagine-se o que aconteceria se, no tempo do governo legítimo, o dito anunciasse um corte de 35% nas despesas de saúde. Imagine-se. Os partidos da actual coligação espúria bramariam, que estava em causa a mais maravilhosa criatura de democracia, era a economia de casino, mais numa manobra das forças hiperultrasuperneoliberais, o domínio do capitalismo proto-fascista, a coligação europeia contra a soberania nacional, etc., blablabla. O camarada Arménio juntaria triliões de tipos com boinas do Che, com estrelas vermelhas na ticharte, com bandeirinhas e papeladas, toneladas de barbudos tonitruantes, tambores e gigantones, todo o folclore a que a Avenida está já habituada; a dona Travoila, acabada de sair do cabeleireiro, daria vinte e oito entrevistas; o Arménio, de palanque, denunciaria mais esta arrancada do imperialismo; no Porto, os Aliados regurgitariam de marxistas, de pategos e de meninas à procura de visibilidade, num nunca acabar de justa indignação; as televisões embandeiradas em arco, os politólogos a tecer condenações, os economistas a ulular teorias...
Hoje, o suave senhor conhecido como ministro da saúde anuncia um corte de 35%. E então? Então, nada. Nem o Arménio, nem a Troila, nem o Jerónimo, nem as esquerdoidas, nada. Tudo sossegadinho, tudo em paz, tudo contente. Menos umas radiografias, menos umas cirurgias, menos uns transplantes, o que é que isso interessa desde que a coisa que temos como governo seja de esquerda?
Só falta vir sua excelência elogiar mais esta grande medida de bom senso, cheia de conteúdo patriótico e bem marcante dos afectos que estão na base da actual portugalidade.
9.6.17