UM DIA PARTIDO E SUJO
A começar a sua interminável oração, o candidato presidencial do PS, Sampaio da Nóvoa, disse, sabe-se lá com que lógica, que “este é um dia inteiro e limpo”. Para ser limpo, era preciso que o orador dissesse de quem era a frase. Não disse. O dia ficou sujo. Quem ali estava era bem característico, nada tinha de inteiro. O dia ficou partido. Depois, em interminável sermão, disse aos “amigos” e às “amigas”, “purque” (sic) estava ali. Purquê? Porque estava a salvar a Pátria, mercê da ética republicana.
Embevecidos, Soares, Sampaio, Lourenço e mais umas centenas de velhadas, ouviam as doutas palavras do senhor.
Parole, parole, parole. De substantivo, pouco ou nada. O homem vai fazer com que o país deixe de estar “frágil”, vai dar cabo da austeridade – mais um que descobriu a árvore das patacas, sem dizer onde nem que patacas –, vai ser de todos sendo só da mais folclórica das esquerdas, como o discurso e a assistência demonstraram. “Que política é esta, que dá cabo da democracia e dos ideais de Abril?”. Aí está. Para ele os tais “ideais” tinham mais a ver com o socialismo e com a esquerda que com a liberdade, mais com a “república”, à boa maneira jacobina, que com a democracia. Apelou à juventude e à renovação perante uma plateia de gerontes. Os alunos das inúmeras faculdades em que espraiou as suas magníficas potencialidades primaram pela ausência, ou nem sequer a organização os convidou, à cause des mouches.
Ele está ali “em nome de um outro projecto”. Não duvido. O projecto do gongorismo prolixo e vazio, ao serviço de uma retórica sem conteudo, ou com um conteudo patriotiqueiro, obsoleto, quase ridículo. O Alegre que se cuide. O partido, nesta matéria, arranjou-lhe um susessor.
As pessoas dizem-lhe pouco. O que o entusiasma é o “público”, o “colectivo”, as “associações”, os “movimentos”. Apesar de irremediavelmente feito com os folclorismos ordinários do Lourenço e com os não menos ordinários dislates do Soares, Nóvoa continua a insistir que é independente. Não tem partido. É como eu, que não sou sócio do Benfica mas torço que me farto. É a independência à maneira lourenciana, em que todos somos livres desde que sejamos todos socialistas e folclóricos.
O orador quer estabelecer laços com as “novas forças que surgem na Europa”. Não disse quais, mas percebe-se: o Syriza, o Podemos, o do Tavares ou lá o que é. Quem sabe, com um jeitinho, tal como o Tripas com os fachos do Peleponeso, também fará uma perninha com a Martine e o Farage. Nada é impossível se, como disse “quem espera nunca alcança” (sic). Percebem?
Mais uma vez, o ilustre académico vem com a historieta de que quer ser “o Presidente de todos os portugueses”, falácia inconstitucional que, de tão repetida, até é capaz de haver quem nela acredite. Não lhe chegará, como aos outros não chegou, ser Presidente da República, como diz a Constituição. Quer ser nosso, xiça! E, como os outros, acha-se titular do “poder moderador e regulador”. Gostava de saber onde é que estes defensores da sacrossanta Constituição encontraram nela tais poderes! Deve ser como os “princípios” que o Tribunal Constitucional encontrou na Constituição sem lá estarem. Uma coisa assim, a modos de mais ou menos, de ça va de soi, não é?
Para quê ir mais longe? Quem gosta de palavreado gongórico e de sermões à antiga, ficou encantado. Quem esperava alguma coisinha para além de esquerdismo balofo e de republicanismo à Afonso Costa, foi um parlapaté triste e ameaçador.
Um elogio falta, desta vez à equipa teatral. Todo bem arrumadinho, o altar era de estalo, a música, como nas corridas de touros, arrancou quando a malta estava mais entusiasmada. Um friso de gentis meninas e cavalheiros, de preto vestidos, entoou a “Portuguesa”, a tapar a desafinação das massas. Um primor.
29.4.15