UM JARRETA
No meu tempo de menino do liceu, os professores de português ensinavam umas coisas aos rapazinhos. Bem sei que utilizavam em demasia a “técnica” da ponteirada no toutiço, mas não fiquei com nenhum stress pós-traumático por causa disso. Tempos que já lá vão.
Não sei o que se passou com as gerações seguintes, mas desconfio que, quem sabe se por falta do ponteiro, as coisas mudaram. Se eu dissesse que o lápis era “em” madeira, o professor perguntava: onde? Eu não percebia. E ele: sim, seu palerma, onde é a madeira, na porcalhota? E eu lá percebia que a preposição era “de” e não “em”. Hoje não há quem não diga, quem não escreva, que o fio é “em” ouro ou que a Bic é “em” plástico. O ponteiro funcionava para quem dissesse “antes prefiro” ou “parece-me a mim”, ou “eu parece-me”, ou equivalente. Perdeu-se por completo a noção de pleonasmo. O sujeito indeterminado era, como em qualquer língua latina, da terceira pessoa do singular: “vendem-se” andares é o pontapé mais comum, vulgar e bem aceite como tantos outros. A regra perdeu-se por completo, hoje o verbo a concordar com o complemento direto é comum brutalidade. Os infinitvos precedidos de preposição nunca se conjugavam: foram à bilheteira para “comprarem” os bilhetes. Olaré. As palavras graves eram graves, as exdrúxulas exdrúxulas. Não era permitido dizer “priúdo” em vez de período. Nem pensar em dizer “púrque” em vez de porque. Nem dizer “pêla” em vez de pela (p’la) ou “pêlo” em vez de pelo (p’lo). Nem “póssamos” em vez de possamos. E por aí fora.
Você não precisa de andar na rua para ouvir estas coisas. Ouve-as na rádio, na TV, lê-as nos jornais e até em livros de escritores da moda.
Há também quem exagere, e ao mais alto nível. Olhem o chamado primeiro-ministro a dizer “produtidade” em vez de produtividade, “precaridade” em vez de precariedade, ou escrever “tive” em vez de estive.
A língua, mercê do acordo ortográfico, “enriqueceu” com mais três letras no alfabeto: w, y e k. Ninguém explicou para que precisamos delas, mas... mas o quê? Para nossa vergonha, os africanos borrifam no acordo . É um serviço que nos prestam, já que, para burros, chegamos. Abrasileiramos o portugês. Felizmente, é defendido em África.
Há para aí faculdades de letras, filólogos, doutores, “cientistas” da língua, professores aos pontapés a fazer e manifestos e manifestações por tudo e por nada. Todos bem pagos e incensados. Antes não os houvesse.
Conclusão: sou um jarreta que, ou não acompanha o “progresso”, ou anda com o pé trocado.
Quem manda é o mainstream. O resto é conversa.
18.01.18