UMA PROPOSTA MALUCA
O Tribunal Constitucional proibiu a redução dos salários na função pública, impondo o seu regresso ao que eram no tempo da bancarrota. O Primeiro-Ministro que, se houvesse “justiça”, deveria exigir que o TC dissesse onde se iria buscar o dinheiro sob pena de mandar isto tudo àquela parte, resolveu, democraticamente, isto é, aceitando a “justiça” formal, subjectiva e irresponsável do TC, arranjar um esquema intermédio para voltar aos valores anteriores à bancarrota. Aceite-se. Tal saída é capaz de ser menos brutalmente negativa do que seria uma crise política com o resultado de juntar a irresponsabilidade do TC à do PS.
Acreditando ou não na possibilidade de, em três anos, repor os tais salários, evitou-se uma monumental bernarda. O problema, como é evidente, virá a ser saber como, no cenário económico periclitante que caracteriza Portugal e os seus principais parceiros, será possível ao Estado vir a arcar com a despeza.
(O fait divers de ontem – a declaração do PM sobre a reposição dos vencimentos sem dizer claramente como – foi imediatamente seguido da habitual gritaria, atingindo alturas de paranóia da parte dos políticos e comentadores de serviço pago, destacando-se nestes o escorpião Pacheco e a osga Adão Silva, isto mesmo tendo o PM, atempadamente, esclarecido os que “não tinham percebido”, coitadinhos, o que o homem queria dizer, mesmo que de forma menos feliz. Atente-se também no que, à pressa, disse o Costa: que ia apontar para 2016, sem, evidentemente, dizer como).
A equação é simples: para tentar manter aos níveis existentes na saúde, na educação, nas prestações sociais e em toda a parafernália de loucuras em que o Estado social é perito, será preciso mais receita. Mais receita, mais impostos, não é? Num país onde há 60% de “contribuintes” que, simplesmente, não paga impostos (à excepção do IVA, e pouco), a talvez única solução possível para sustentar o monstro seria alargar a base contributiva, não sufocando mais ainda a classe média. Umas contas de merceeiro (às vezes são as mais certas...) levam o IRRITADO a dizer que, se cinco milhões de portugueses que não pagam impostos passassem a pagar 5% do rendimento (em média, 2,50 euros por mês) teria o Estado uma receita fiscal acrescida de cerca de dois mil milhões de euros.
Será uma receita maluca, segundo a gritaria. Mas há onde seja praticada, sem que caia o Carmo e a Trindade. Não seria justo que esses cidadãos, que utilizam os serviços de saúde sem pagar taxas, as escolas sem pagar o ensino, que recebem prestações sociais de diversíssima ordem para as quais muitas vezes nada contribuiram, pagassem uma pequena parte do que recebem para usufruir dos serviços (não de direitos próprios mas dos serviços do Estado)? Com que justificação se servem do Estado que os outros pagam?
A receita, podem crer, não é tão maluca como isso. A manter-se o estado de coisas na Europa e no mundo, acabará por não resolver o problema. Mas, se se juntar a isto algum optimismo, quem sabe se, enquanto o pau vai e vem, não será possível encarar a vinda de melhores dias com alguma esperança. O que não vale a pena é mascarar a realidade.
31.10.14
António Borges de Carvalho