VAE VICTIS
A monarquia Constitucional caíu, em boa parte por, a partir do Ultimato, ser considerada incapaz de manter o Império. A I República fez, da defesa do Império, a primeira das suas causas, ao ponto de, por causa dele, nos ter metido noma guerra que, directamente, não nos dizia respeito, e ceifou muitos milhares de vidas. A II República, neste aspecto, mais não fez que seguir a primeira: o Império estava acima de tudo. A III República, empurrada pelos “ventos da história”, negou as outras duas: o Império, mais do que tendo deixado de se justificar em face da nova moral política, era coisa para, simplesmente, abandonar à sua sorte. Para tal, perdeu guerras que estavam ganhas, foi buscar inexistentes líderes africanos (todos sovietizados), sacrificou muitas centenas de milhar de portugueses, deixou que os africanos fiéis a Portugal fossem fuzilados, não se importou de mergulhar os seus ex-territórios em guerras fratricidas de anos e anos, ou de os entregar nas mãos menos aptas a protegê-los.
Tudo isto é passado, dir-se-á. Já não interessa. Poucos terão ainda a noção do que foi provocado. Sendo indiscutível que o Império não tinha uma solução imperial e que a teimosia da II República conduzia a um inevitável desastre, o fenómeno a que hoje asistimos é o da negação de um passado controverso à luz de critérios do presente mas que, queira-se ou não, é o nosso passado colectivo, velho de mais de quinhentos anos. Negá-lo ou condená-lo é auto negar-nos e auto condenar-nos. De descobridores, civilizadores e universalistas, passámos, na mente do politicamente correcto, a esclavagistas, assassinos e canalhas históricos. Qualquer alegado episódio menos nobre das guerras do Ultramar é generalizado, transformando as enormes lições de humanidade que elas representaram num mar de massaces, torturas e bárbara destruição. O que é, simplemente, mentira. Mas é o que “estudiosos”, “estatísticos” e “historiadores” por aí proclamam para quem os ouve. As novas gerações não têm já outras referências que não sejam as da continuada manipulação dos factos.
Não admira que, a partir até da mais alta instância da nossa política, o patriotismo seja reduzido ao futebol e os nobres símbolos do passado condenados à destruição, como aconteceu agora na praça do Império.
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Como é tradicional, este ano reuni com alguns dos que restam daqueles que comigo andaram 27 meses pelo Norte de Angola (1964/1967). Para além dos copos, dos abraços, da troca de velhas memórias, quantas delas já pasto da imaginação de cada um, uma coisa, como sempre, me impressionou: a mágoa com que os combatentes se vêem troçados, desmerecidos, insultados pelo hodierno “pensamento”. Não merecemos isto, dizem todos, sejam quais forem as preferências políticas que vieram a abraçar durante a III República.
Vae victis, diziam os latinos. Só que nós não fomos victis. Nem no campo de batalha, nem na alma dos alegados vencedores. Somos, sim, todos os dias, vencidos pela “História” que nos é impingida à revelia da verdade e da honra.
27.7.16